Sindicato faz 102 anos e celebra com histórias das conquistas dos bancários

Ex-presidente da entidade, Gilmar Carneiro foi homenageado entre dirigentes participantes da retomada do Sindicato na ditadura, das lutas pela redemocratização, fundação da CUT, do PT e criação da CCT nacional

Os 102 anos do Sindicato foram comemorados com muita história, homenagem a Gilmar Carneiro, participação dos ex-presidentes e mais de 400 bancários (Crédito: Willy Roberto/Cedoc)

Uma categoria que há 102 anos conecta suas conquistas aos principais episódios da história recente do Brasil só poderia mesmo comemorar esse aniversário mais que centenário relembrando sua trajetória. E assim foi no último dia 16 de abril, a celebração do aniversário do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, em sua sede, no tradicional Edifício Martinelli, centro da capital. Dois auditórios lotados por mais de 400 pessoas ouviram as histórias contadas pelos presidentes que estiveram à frente da entidade desde sua retomada pelos trabalhadores, em plena ditadura, em 1978. O mais longevo deles, Gilmar Carneiro, presidente do Sindicato entre 1988 e 1994, foi o principal homenageado. Participaram também os ex-presidentes Ricardo Berzoini (1994/1998); Luiz Cláudio Marcolino (2004/2010); Juvandia Moreira (2010/2017) e Ivone Silva (2017/2023). João Vaccari Neto (1998/2004), em viagem, não pode estar presente.

Gilmar, baiano de Serrinha e funcionário do extinto Banerj, sucedeu os bancários Augusto Campos – presidente entre 1979 a 1985 e morto em julho de 2017 – e Luiz Gushiken – à frente do Sindicato entre 1985 e 1988, morto em setembro de 2013. Todos eles parte de um grupo de militantes fundamentais para o movimento dos trabalhadores que tirou o Sindicato das mãos da direita no final dos anos 1970. Foi com Gilmar à frente do Sindicato que os bancários assinaram, em 1992, sua primeira Convenção Coletiva Nacional de Trabalho (CCT), referência de luta e conquista.

 

A presidenta Neiva Ribeiro e o ex-presidente Gilmar Carneiro: muita emoção nos relatos que resgataram as principais conquistas da categoria nesses 102 anos de história (Crédito: Willy Roberto/Cedoc)

“Fomos o primeiro e ainda somos até hoje o único ramo no setor privado com acordo coletivo nacional”, orgulha-se o dirigente, descrevendo esse processo que teve como pano de fundo as novas federações estaduais (como as Fetecs ou Fetrafis) e a CNB, atual Contraf. Uma evolução orgânica dos instrumentos de consolidação desse novo sindicalismo, forjado por Augustão, Gushiken e Gilmar: o sindicato cidadão.

Neiva define esse conceito de forma clara: a categoria bancária não quer só dinheiro, mas também felicidade, diz citando versos da música Comida, dos Titãs. Por isso, a busca de direitos de cidadania, que melhorem a qualidade de vida dos trabalhadores para além dos locais de trabalho, é luta constante do Sindicato. “Tem gente que acha que não devemos fazer política. Mas política é aquilo que fazemos todos os dias nas nossas relações sociais, na defesa do que acreditamos ser fundamental na nossa sociedade. Por isso pautamos nossa atuação na defesa dos bancários como trabalhadores e como cidadãos de um Brasil mais justo, diverso e igualitário”, defende Neiva.

Atuação da categoria bancária, ao lado dos metalúrgicos, foi fundamental na criação da maior central sindical brasileira, a CUT, em 1983 (Crédito: Seeb-SP/Cedoc)

Foi com esse foco que, em 1983, o Sindicato teve papel central, ao lado dos Metalúrgicos do ABC, na fundação da Central Única dos Trabalhadores (CUT). O dirigente revelou que a criação da maior central brasileira precisou contar com a aprovação do arcebispo de São Paulo à época, Dom Paulo Evaristo Arns. O padre teve sua atuação voltada aos mais carentes, com a formação das comunidades eclesiais de base, e à defesa dos direitos humanos, em plena ditadura.

“Fizemos uma reunião eu, Meneghelli e Lula (dirigentes sindicais metalúrgicos à época), na Cúria, com Dom Paulo”, lembrou Gilmar. O arcebispo quis saber qual era a ideia dos trabalhadores para a fundação da Central. “Lula falou, Menegheli falou e Dom Paulo perguntou: Lula, você se responsabiliza pela CUT. Aí olhou pra gente e disse: se depender de mim, pode apoiar. Dom Paulo disse: então eu apoio. Vocês têm ideia do que é isso?”, destacou Gilmar. Procurados depois, o então governador de São Paulo, Franco Montoro, e o deputado Ulisses Guimarães, presidente do Congresso Nacional à época, quiseram saber se Dom Paulo havia sido consultado. “Ulisses Guimarães disse: se Montoro e Dom Paulo apoiam, quem sou eu para não apoiar. E assim nasceu a CUT. A CUT é filha da Santíssima Trindade”, brincou o dirigente que foi diretor nacional de comunicação e secretário-geral do Central. “Criamos a CUT para melhorar as condições de trabalho de todas as categorias”, diz Gilmar, que participou ativamente também da fundação do Partido dos Trabalhadores (PT).

A primeira CCT nacional dos bancários foi assinada em 1992, fruto da luta, da organização e da força da mobilização da categoria

História de conquistas

A CCT que nasceu em 1992 com 46 cláusulas, chegou em 2024 a 143 cláusulas. Ao longo dessa história de 102 anos lutas e conquistas, passou a contemplar garantias além das salariais e de emprego, saúde, segurança e condições de trabalho. O conceito de sindicato cidadão se fortalecia ano a ano.

Um mapa com alguns dos principais direitos da categoria bancária pode ser conferido aqui (LINK PARA O MAPA DE CONQUISTAS). Tudo teve início com a formação da Associação dos Bancários, em 1923, que deu origem ao Sindicato. Dez anos depois, em 1933, a categoria garantia sua jornada de seis horas. O fim do trabalho aos sábados veio em 1962. O auxílio-creche, é da campanha de 1981; o vale-refeição, de 1990; o vale-alimentação, de 1994; a Participação nos Lucros e Resultados (PLR), de 1995.

Entre as décadas de 1980 e 1990, a luta dos bancários ao lado do Sindicato garantiu conquistas como o auxílio-creche, o VR, o VA e a PLR que se tornaram referência para outras categorias de trabalhadores (Crédito: Gerardo Lazzari)

Os anos 2000 começam com a inclusão de um importante debate nas negociações entre bancários e federação dos bancos (Fenaban): a cláusula sobre igualdade de oportunidades que levou, ao longo dos anos à importante incorporação de direitos para mulheres, negros e negras, pessoas com deficiência, os LGBTQIA+.

Em 2003, Banco do Brasil e Caixa passam a integrar a campanha nacional unificada, fortalecendo a luta da categoria e garantindo o direito à PLR para todos os bancários. A 13ª cesta-alimentação e a PLR Adicional vêm de 2007 e a licença-maternidade ampliada de 180 dias, em 2009, assim como a extensão de direitos a casais homoafetivos e a conquista do Mapa da Diversidade nos bancos.

O modo de trabalho se altera e a cobrança por metas na venda de produtos passa a atormentar a rotina dos bancários. Assim, o ano de 2010 chega com uma conquista fundamental: o instrumento de combate ao assédio moral que ano a ano vem sendo aprimorado na defesa dos trabalhadores.

Anos 2000: Sindicato é pioneiro no debate da igualdade de oportunidades, da licença-maternidade ampliada, no combate ao assédio moral (Créditos: Maurício Morais/Cedoc e Seeb-SP/Cedoc)

Desde 2016, a força dos bancários na mesa de negociação com os bancos estabeleceu acordos com validade de dois anos. Na conjuntura de retirada de direitos imposta pelas mudanças trabalhistas do governo de Michel Temer, após o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, esses acordos têm sido estratégicos ao garantir a reposição total da inflação anual e a manutenção de todos os direitos previstos na CCT. O ano de 2016 foi também o da conquista da licença-paternidade ampliada para 20 dias.

Em 2019, a categoria conseguiu neutralizar, via acordo aditivo junto aos bancos, os efeitos da MP 905, editada por Jair Bolsonaro. Assim, os bancários conseguiram impedir o trabalho aos sábados e garantiram a jornada de seis horas e demais direitos estabelecidos pela CCT nacional.

A pandemia da covid-19 foi outro marco na história de luta do Sindicato. Os bancários foram uma das primeiras categorias a negociar, em 2020, medidas de segurança para a saúde como o teletrabalho e protocolos de prevenção. Em 2021, foi garantida a inclusão da categoria nos grupos prioritários do Plano Nacional de Imunização. Frente ao negacionismo do governo de plantão à época da pandemia, a atuação sindical em defesa dos trabalhadores certamente preservou milhares de vidas.

Governo Bolsonaro editou MP para tentar forçar trabalho aos sábados, fim da jornada de seis horas e da PLR, além de agravar pandemia da covid-19 negando vacinas. Bancários se organizaram para manter seus direitos e negociar o teletrabalho que salvou vidas (Crédito: Arte e foto Seeb-SP/Cedoc)

O acordo fechado em 2024 e válido até 2026, além de garantir aumento real para salários, PLR e demais verbas, como todos os anos, ampliou direitos das mulheres, dos LGBTQIA+, das pessoas com deficiência, dos neurodivergentes. E não somente dentro dos bancos, também como cidadãos. Assim, cláusulas de combate ao assédio sexual, moral, à violência doméstica, igualdade salarial, respeito à diversidade, enfim, buscam conscientizar as instituições financeiras sobre um papel social do qual não podem prescindir. Inclusive sobre sua atuação em situações de mudanças climáticas, um tema que não pode estar de fora de nenhuma mesa de negociação que tenha por objetivo construir parâmetros em favor de um mundo melhor.

Mulheres e sindicato

Dentre as principais conquistas da categoria, em 2024, na CCT nacional que está completando 34 anos, a presidenta Neiva Ribeiro destaca a pauta das mulheres nos espaços de TI. Os dados levantados pelo Sindicato apontam que entre 2013 e 2023 aumentou a participação da categoria nos espaços de tecnologia da informação, de 5% para 15%, por conta dos avanços tecnológicos. “Mas a participação das mulheres nessa área das instituições financeiras caiu de 30% para 25%. Por isso, na última campanha conquistamos junto aos bancos investimentos em 3.100 bolsas, sendo 3 mil na área de Iniciação Tecnológica, abertas para a sociedade, com prioridade para mães solo, mulheres negras, em situação de vulnerabilidade. E outras 100 bolsas de um curso mais robusto, para mulheres que queiram avançar na carreira da área de tecnologia.”

Assim, avalia a dirigente, celebrar os 102 anos do Sindicato, é celebrar essa entidade como um ente universal. “Enquanto existir exploração do trabalho, a relação de trabalho remunerada e regulada que o capitalismo insiste em negar e tentar transformar num falso empreendedorismo, é preciso ter sindicato para fiscalizar”, afirmou. “Sindicato significa força, união, proteção. É coletivamente que a gente consegue conquistas. E é por isso que existem tantos ataques aos sindicatos. Tanta tentativa no Judiciário para que trabalhadores mantenham relações individuais, sem convenção coletiva, negociando diretamente com o patrão como se tivesse a mesma força”, explicou a dirigente.

Em março, dirigentes bancárias apresentaram ao Ministério das Mulheres a mais nova conquista da categoria: bolsas de curso para capacitação de trabalhadoras na área de Tecnologia da Informação (Crédito: Seeb SP/Cedoc)

Para a presidenta, os sindicatos fazem parte de uma luta maior. “Não só no mundo do trabalho, mas em defesa da democracia, de direitos sociais, de uma sociedade justa, igualitária, na qual todos tenham direito de viver e ser feliz.”

Por isso, Neiva finaliza ressaltando a importância de valorizar a história e cada bancária e bancário que participou dessa luta de 102 anos. Aliás, entre as instituições financeiras, somente Banco do Brasil (1808) e Caixa (1861) somam mais tempo de existência que o Sindicato. “A gente gosta de trazer história para conversar com a categoria e falar de onde veio o Sindicato, da fundamental história do sindicalismo, da luta, das lideranças que vieram antes de nós” disse Neiva Ribeiro. “Atuamos desde nossa fundação em defesa da democracia. Passamos por três intervenções, resistimos contra a ditadura e lutamos ainda hoje por salários iguais aos homens.”

Parte dos bancários e das bancárias são muito jovens, lembra ela, e não têm noção de onde vieram seus direitos, como foram conquistados. Daí a importância de lembrar e celebrar essa história cheia de conquistas, uma marca da gestão de Neiva Ribeiro. “Vivemos sob uma visão neoliberal que ataca o trabalho, quem vive do trabalho, a CLT. Por isso fazemos questão de contar nossa história de lutas. Das pessoas que vieram antes de nós. Agora, a sociedade está lutando para acabar com a escala 6×1. As pessoas querem tempo para viver e vamos juntos, coletivamente, como deve ser, nessa luta que é de todos.”

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