Combate ao assédio moral: luta e conquista

Há mais de 20 anos, Sindicato mantém luta pioneira em defesa dos bancários contra o assédio moral nos bancos, finalmente reconhecido em cláusula histórica na CCT

Exploração não tem perdão: caveiras nos locais de trabalho denunciam adoecimento provocado pela pressão por metas (Anju/Seeb-SP)

Combater a violência é uma longa luta. Mas aprendemos que a única luta que se perde é aquela que se abandona.” A frase é da médica Margarida Barreto. E descreve bem mais uma das muitas lutas que o Sindicato nunca abandonou e na qual, ao lado dos bancários, sagrou-se vencedor. Pela primeira vez, após quase 20 anos de negociações, denúncias e acolhimento dos trabalhadores atingidos, os bancos reconheceram o termo assédio moral incluindo-o, explicitamente, na Convenção Coletiva de Trabalho da categoria bancária em 2024. “Foi a primeira vez que colocamos uma cláusula com esse nome e sobre o tema na nossa CCT. Antes, o nome para os bancos era ‘prevenção de conflitos no ambiente de trabalho’. Mas, para nós, nunca teve esse nome. Sempre foi combate ao assédio moral, mas que só foi ‘revisado’ e explícito após nossa campanha de 2024”, conta a presidenta do Sindicato, Neiva Ribeiro.

Sindicato mantém luta perene, de mais de duas décadas, no combate ao assédio moral nos bancos e no acolhimento dos bancários (Anju/Seeb-SP)

Uma reivindicação histórica que a médica Margarida Barreto, pioneira no estudo e na luta pelo combate ao assédio moral muitas vezes ao lado do Sindicato, não pode ver. Margarida morreu vitimada por um câncer em março de 2022. Seu legado, no entanto, segue com os bancários, milhares deles salvos do adoecimento graças a esse trabalho conjunto entre a ciência e a luta coletiva.

A médica Margarida Barreto foi pioneira no estudo sobre os efeitos do assédio moral na saúde dos trabalhadores (Gustavo Morita/Divulgação)

O assédio moral, infelizmente, é uma prática nos bancos. O modo de gestão focado em vendas e cobrança por metas leva a essa situação que detona a saúde mental e física dos trabalhadores. O Sindicato é pioneiro nesse debate. E como forma inédita de combater essa triste realidade, mantém, desde 2011, um Canal de Denúncias, por meio do qual os trabalhadores informam sobre os casos de assédio moral sofridos, sem serem identificados nem expostos.  Desde o lançamento, em 2011, até a primeira quinzena de dezembro de 2024, foram mais de 8 mil denúncias apresentadas pelos bancários de São Paulo, Osasco e região, e apuradas pelo Sindicato, que agiu para proteger os trabalhadores e alterar esse quadro juntos aos bancos.

Em 2024, além de finalmente reconhecer o termo assédio moral, os bancos se comprometeram a repudiar qualquer tipo de violência no trabalho. E a implantar canal de apoio às vítimas e de denúncias sobre todas as formas de violência, inclusive a doméstica.

Comando Nacional dos Bancários em mesa de negociação: em 2024, finalmente o termo assédio moral é reconhecido pelos bancos e passa a fazer parte da CCT (Willy Roberto)

“Essas conquistas são mais um passo da luta perene dos trabalhadores para eliminar essa prática que causa tantos adoecimentos nos bancos. Seguiremos firmes na nossa mobilização histórica pelo fim do assédio moral nos bancos”, afirma Neiva Ribeiro, presidenta do Sindicato.

Sindicato na defesa de bancários e terceirizados e no combate ao sofrimento causado pela cobrança por metas abusivas que adoecem (Mauricio Morais/Seeb-SP)

História de luta

O combate ao assédio moral é um problema sério para os bancários e uma preocupação antiga do movimento sindical.

Desde o início dos anos 2000, intensos debates sobre o tema tinham espaço nos encontros estaduais e na conferência nacional dos bancários. Em 2006, é implantado um grupo de trabalho para debater assédio moral a partir de pesquisa realizada pelo Sindicato, nos locais de trabalho, que já apontava resultados preocupantes. A entidade lança um material informativo para esclarecer a categoria: Assédio Moral nos Locais de Trabalho – Saiba o que é e defenda-se.

O Sindicato nunca abandona uma luta e, apesar das dificuldades impostas pelos bancos, as campanhas de combate ao assédio moral foram perenes. Em 2009 foi a vez da campanha Saia do Isolamento, com mais orientações para a categoria e incentivo às denúncias, de forma segura e sigilosa, para o Sindicato.

A inclusão de cláusula na CCT sobre “prevenção de conflitos no ambiente de trabalho”, como mecanismo de combate ao assédio moral, veio em 2010. Houve adesão voluntária das instituições financeiras, exceto o Banco do Brasil que passaria a participar em 2012.

Entre 2010 e 2011, o Sindicato lançou a campanha Menos Metas, Mais Saúde, com nova cartilha sobre assédio moral  para orientar os bancários. E ainda em 2011, foi assinado acordo aditivo à CCT prevendo a implantação do programa de combate ao assédio moral nas instituições financeiras, com adesão voluntária dos principais bancos que operam no Brasil. Além da implantação do Canal de Denúncias, a categoria lançou nacionalmente o livro Saúde dos Bancários e realizou um seminário internacional sobre o tema.

Com a reedição da cartilha e da campanha Menos Metas, Mais Saúde, em 2012, os bancários reforçaram a luta, chegando a 2014 com a conquista, em campanha nacional, de cláusula específica na CCT para o combate ao assédio moral.

Em 2015, novo avanço: após tantos anos de luta, as instituições financeiras finalmente reconheceram que a pressão abusiva, parte do seu modo de gestão, poderia levar ao adoecimento dos trabalhadores. Assim, a CCT passou a contar com uma nova cláusula com o objetivo de melhorar as condições de trabalho. O Sindicato mantém o foco na luta para avançar ainda mais e lança uma nova campanha informativa: Sua Saúde em Primeiro Lugar.

Um novo formato para a campanha, com foco em atrair ainda mais a atenção da categoria, veio em 2016, com a campanha e a cartilha Assuma o Controle e Vamos Mudar esse Jogo. Também foi atualizado o layout do Canal de Denúncias no site do Sindicato. Assim, em 2017, a campanha segue firme com as cartilhas circulando via regionais do Sindicato e a apuração das denúncias feitas pelos trabalhadores.

Vem 2018 e a luta não esmorece. Nova atualização para aprimorar o Canal de Denúncias e nova campanha e cartilha sob o tema: Assédio Moral é Imoral, é Ilegal e Adoece. Denuncie! 

Ano a ano o Sindicato manteve a luta, assim como o Canal de Denúncias que demanda apuração dos casos e cobrança dos bancos para solucionar as situações de assédio moral. E mais um resultado veio em 2022, com a conquista, em campanha nacional de, pela primeira vez, as instituições financeiras aceitarem debater a questão das metas, prevista em nova cláusula de combate ao assédio moral.

Em 2023 nova reformulação do Canal de Denúncias do Sindicato e novo material informativo atualizando os trabalhadores: Trabalho Digno não tem Assédio! Tem Boas Condições de Trabalho!

Toda essa atuação, sem arredar pé em forçar os bancos a reconhecer esse grave problema dentro das suas agências, seus departamentos, levou à grande conquista de 2024. A CCT passa a finalmente reconhecer o termo assédio moral. E novas cláusulas são incluídas para defender os bancários de todas as formas de assédio: além do moral, o sexual, e outros tipos de violência. 

Assédio moral adoece

Assédio moral é a exposição de uma pessoa a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas, seja por meio dos chefes ou de colegas. São exemplos gritar, xingar, ridicularizar, dar apelidos desrespeitosos, menosprezar. E, claro, exigir metas abusivas, cobrar funções além das capacidades e treinamento do empregado, isolar, atribuir tarefas que causem risco à saúde ou à segurança, disseminar boatos, impedir promoções e limitar o acesso a ferramentas de trabalho (computador, telefone, etc.) ou a clientes.

Também são casos de assédio moral submeter o empregado a revista íntima, instalar câmeras de segurança no interior de vestiários e banheiros e exigir que funcionárias não engravidem.

A relação entre metas e assédio moral é direta. A categoria bancária sofre constantemente com cobranças abusivas para o atingimento de metas muitas vezes inalcançáveis.

Passeata no centro de São Paulo, em 2014, denuncia à população relação entre metas abusivas de venda de produtos e o assédio moral que adoece os bancários (Paulo Pepe/Cedoc)

“A pressão por resultados, as metas abusivas, quase sempre inatingíveis, criam tensões adoecedoras entre os trabalhadores, que veem seus colegas como rivais, quando deveriam buscar a união e coleguismo”, afirma a psicóloga Eliana Pintor. “O clima de ‘vale tudo’, hostil e ameaçador, abre espaço para práticas de violência psicológica e assédio moral, que pode se expressar por injúria racial, gordofobia, intolerância a escolhas sexuais não tradicionais e toda sorte de humilhações e constrangimentos, além do assédio sexual.”

Dados comprovam adoecimento

Os bancários que participaram da última Consulta Nacional, realizada em 2023 elencaram como as quatro principais consequências da cobrança excessiva para o cumprimento de metas: preocupação constante com o trabalho (68%); cansaço e fadiga constantes (61%); desmotivação, vontade de não ir trabalhar (52%); e crises de ansiedade/pânico (46%).

Além disso, 41,9% dos trabalhadores afirmaram ainda terem feito uso de medicamentos controlados nos últimos 12 meses, percentual significativamente maior do que o mensurado na Consulta Nacional de 2022, de 35,5%.

Portal do Inferno: protesto realizado pelo Sindicato para denunciar horrores vividos pelos bancários nos locais de trabalho (Anju/Seeb-SP)

A categoria bancária representa cerca de 1% do emprego formal no Brasil, mas é responsável por 25% dos afastamentos acidentários pelo INSS por doenças mentais e comportamentais. Na cidade de São Paulo, a situação é ainda pior: 82% dos afastamentos acidentários (B91) de bancários são por doenças mentais. Além disso, praticamente 100% dos bancários que procuram a Secretaria de Saúde do Sindicato apresentam quadros de depressão, ansiedade ou burnout.

“Um cenário terrível que demonstra a importância da nossa luta de duas décadas no combate ao assédio moral”, ressalta Neiva Ribeiro. “Temos muito orgulho desse fazer esse bom combate ao lado dos bancários. E não vai ter fim. Seguiremos enquanto houver assédio moral e outras formas de violência contra os trabalhadores.”

Corrida de São Pilantra, paródia da São Silvestre realizada pelo Sindicato para fechar o ano: bom humor para denunciar o assédio moral nos bancos (Maurício Morais/Seeb-SP)

Dados de outra pesquisa (Avaliação dos Modelos de Gestão e das Patologias no Trabalho Bancário), realizada pela Secretaria de Saúde do Trabalhador da Contraf-CUT, em colaboração com pesquisadores do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB), aponta 80% dos 5.803 bancários que participaram do estudo tiveram pelo menos um problema de saúde relacionado ao trabalho em 2023. Deste total, quase metade está em acompanhamento psiquiátrico.

Segundo o TST (Tribunal Superior do Trabalho), entre 2019 e 2021, foram registrados 3.049 casos de assédio sexual e 52.936 de assédio moral. No primeiro semestre do ano passado as denúncias atingiram a marca de 31 mil casos entre assédio moral e sexual em 347 empresas, o que representou quase o triplo dos anos de 2019 e 2020. E isso representa apenas as pessoas que tiveram a coragem de fazer as denúncias.

Por tratar-se de um fenômeno mundial, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) formulou a Convenção 190, que busca eliminar a violência e o assédio no mundo do trabalho. Aprovada na Assembleia Geral da 108ª Conferência da OIT, em 2019, a Convenção 190 considera inadmissível qualquer prática e comportamento inaceitável mesmo que ocorra uma única vez. E destaca a violência de gênero e o assédio sexual. Os trabalhadores cobram que o Brasil seja signatário dessa convenção. Em 9 de abril de 2023, o governo brasileiro deu início ao processo de ratificação da Convenção 190 da OIT, que busca Eliminar Violência e Assédio no Mundo do Trabalho.

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