Série documental com potentes imagens de arquivo, relatos de liderança sindicais e representantes da categoria retrata luta pelo constante aprimoramento da pioneira Convenção Coletiva de Trabalho válida para todos os empregados de bancos do Brasil
Sabe aquela clássica pergunta quando se está prestes a ser contratado por uma empresa: quais são os benefícios? A história ensina: benefício, na relação entre patrão e empregado, não existe. O que existe é direito e conquistado com muita mobilização, organização e luta travada por décadas de gerações de trabalhadores.
Uma dessas categorias profissionais está entre as principais do Brasil e decidiu contar uma parte dessa rica trajetória de mais de 103 anos por meio da série documental Somos Vanguarda. Lançado no último dia 1º de outubro, em pré-estreia para 300 convidados em um cinema na Avenida Paulista, o filme do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região foi produzido pela Zion. Relatos de lideranças sindicais, jovens bancários e representantes do setor, combinados com potentes imagens de arquivo retratam a potência e criatividade dessa luta travada em torno da criação da primeira Convenção Coletiva de Trabalho nacional, conquistada pelos trabalhadores do sistema financeiro brasileiro.
A CCT é o documento onde constam os tais “benefícios”. Nascido em 1992 com 46 cláusulas, esse acordo que rege regras e direitos concernentes a todos os bancários de bancos públicos e privados do Brasil chegou a 2025 com 143 cláusulas.
É essa a história contada na série documental que não poderia ter outro nome. Os bancários são vanguarda. Nasceu da luta deles a conquista dos vales-alimentação e refeição, do auxílio-creche, das licenças maternidade e paternidade ampliadas, o direito à participação nos lucros e resultados (a PLR), para ficar somente entre os “benefícios” mais queridinhos dos trabalhadores.
A categoria esteve na vanguarda também das medidas de combate ao assédio moral e da promoção da igualdade de oportunidades. Durante a pandemia da covid-19, foi a primeira a procurar os patrões para estabelecer protocolos de prevenção com o objetivo de preservar a saúde dos bancários. Outros temas, alguns inclusive relacionados aos direitos de cidadania, igualmente despontaram na CCT dos bancários: direitos dos LGBTs, dos neurodivergentes, combate à violência contra a mulher, igualdade salarial entre bancárias e bancários.
“Ao tomarmos a decisão de fazer esse documentário, tivemos o intuito de resgatar a memória dessa história de alcance nacional”, ressalta a presidenta do Sindicato, Neiva Ribeiro, que, bancária do Mercantil de São Paulo (atual Bradesco), faz parte dessa história desde 1989. “Nosso documentário foi feito pelos construtores da CCT, também de outras partes do país, a partir do nosso olhar, de São Paulo. Muitos outros atores, de imensa relevância, fazem parte dessa construção da nossa Convenção Coletiva de Trabalho.”
História é vida
Mas por que é importante para uma categoria de trabalhadores documentar sua história? Jean Chesneaux, historiador francês que viveu entre 1922 e 2007, em seu livro Fazemos tábula rasa do passado?, tem uma frase basilar sobre a importância de contar acontecimentos: a história tem uma relação ativa com o passado. Segundo ele “esse passado, próximo ou longínquo, tem sempre um sentido para nós. Ele nos ajuda a compreender melhor a sociedade na qual vivemos hoje, a saber o que defender e preservar, saber também o que mudar e destruir… O passado está presente em todas as esferas da vida social[…]”. Se não basta esse reconhecimento, o historiador reforça que “Nosso conhecimento do passado é um elemento ativo do movimento da sociedade, é uma articulação das lutas políticas e ideológicas, uma zona asperamente disputada. O passado e o conhecimento histórico podem funcionar a serviço do conservadorismo social ou das lutas populares. A história se insere na luta de classes; ela nunca é neutra, nunca está acima da peleja”.
Essa luta de classes é travada pelo Sindicato desde sua criação. Assim, no documentário narrado em quatro atos, dirigentes alçados à presidência da entidade desde os estertores da ditadura e diante do voto direto da categoria que representam, contam como os bancários se tornaram vanguarda e referência no movimento sindical brasileiro. Esse olhar sobre o passado guia a trajetória de unidade e grandes mobilizações. E conduz às reflexões e ações para o enfrentamento às dificuldades contemporâneas da categoria e as perspectivas de futuro.
Riqueza de material
No programa Entrevista com Juca Kfouri, da TVT, Neiva comemora, ao lado do diretor de cena de Somos Vanguarda, Felipe Kfouri, a riqueza dos arquivos de imagens e histórias que permitiram a realização desse projeto documental. “(Ali está como) Construímos toda essa CCT que representa (os direitos de) 450 mil trabalhadores em todo o Brasil”, diz, lembrando que a geração de imagens nos atos do Sindicato começou, naqueles tempos de ditadura, como uma forma de garantir a segurança dos trabalhadores que participavam das manifestações. “Qualquer um podia ‘sumir’ naquela época. Já ouvi de dirigentes mais antigos que (contra as perseguições aos trabalhadores) reuniões precisavam ser realizadas dentro de kombis.”
Felipe Kfouri elogiou a “decisão política” tomada pelo Sindicato de fazer esses registros, manter esses arquivos. “(A entidade) Foi uma das primeiras a ter câmera de TV para sair nas ruas.”
A equipe da Zion trabalhou entre os meses de janeiro e agosto deste ano na pesquisa de materiais, texto, fotos e vídeos de arquivo do Sindicato. O diretor afirma ser impossível contar o número de horas consumido no acesso a todo o material disponibilizado pela entidade. “Até a última hora a gente ainda voltava no arquivo”, lembra Felipe Kfouri.
O filme traz depoimentos de lideranças que estiveram à frente da categoria em diferentes períodos. Augusto Campos (1979-1983); Luiz Gushiken (1985-1988); Gilmar Carneiro (1985-1994); Ricardo Berzoini (1994-2000); João Vaccari Neto (2000-2005); Luiz Cláudio Marcolino (2005-2010); Juvandia Moreira (2010-2017); Ivone Silva (2017-2023) e atual presidenta Neiva Ribeiro, desde 2023. A memória também se renova nas vozes dos bancários Rodrigo Mussi, Daniel Storti e Heloisa Bolsoni, que compartilham experiências, memórias e reflexões sobre o papel transformador da mobilização coletiva dos trabalhadores que constroem cotidianamente a força da categoria ao lado do Sindicato.
Após o lançamento na Paulista e exibição pela TVT durante o mês de outubro, a série documental será apresentada no Sindicato, em 27 de novembro, pelo projeto CineB parceria do Sindicato com a Brazucah Produções, pela democratização do acesso ao cinema nacional. Depois disso, ficará disponível no canal do Sindicato no Youtube.