“Ninguém queria a privatização”, lembra o banespiano e presidente do Sindicato à época, João Vaccari Neto, um dos protagonistas da mobilização que impediu a venda por seis anos
A história do Sindicato é plena de grandes feitos. Mas até mesmo quando o resultado final não configura uma vitória, o movimento sindical bancário não arreda pé: mantém a luta e avança. A campanha contra a privatização do Banespa talvez seja um desses principais exemplos de resistência.
Passados 24 anos da venda para o Santander, os trabalhadores seguem mobilizados, com o apoio do Sindicato, pela manutenção de direitos dos banespianos, como a caixa de assistência à saúde (Cabesp) e o fundo de seguridade social (Banesprev) que o banco espanhol teima em desrespeitar.
O Banco do Estado de São Paulo era uma potência que sofreu abalos com as sucessivas crises e malfadados planos econômicos que assolaram o Brasil nas décadas de 1980 e 1990. Em 1995, o recém-eleito governo de Fernando Henrique Cardoso determina intervenção federal dos bancos estaduais. Um prenúncio da estratégia privatizante colocada em prática pelo governo tucano até 2002.
Imediatamente, bancários e sindicatos realizam uma série de manifestações para combater essa intervenção chamada de Regime de Administração Especial.
Ações judiciais, atuação política na Assembleia Legislativa e manifestações populares barraram privatização do Banespa por seis anos (Jailton Garcia/Seeb-SP)
Presidente do Sindicato à época, entre 2000 e 2005, o banespiano João Vaccari Neto foi um dos protagonistas dessa luta que mobilizou trabalhadores por todo o Brasil. “A defesa do Banespa foi decorrência de várias lutas que o Sindicato e a CUT travaram contra a política de Fernando Henrique Cardoso, como a reforma da Previdência; a privatização da Vale do Rio Doce e da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional); a retirada de direitos dos trabalhadores; a entrega da economia ao capital internacional na mais completa subserviência ao mercado mundial. E o Banespa estava dentro dessa política de privatização”, lembrou o dirigente em entrevista à Folha Bancária Especial de 90 anos do Sindicato.
“O governo havia incluído a entrega do banco em uma das cartas de intenção do Fundo Monetário Internacional (FMI) e também no Plano Nacional de Desestatização. No entanto, existia um bloco muito resistente em defesa do banco, com entidades organizadas, personalidades e funcionários mobilizados.”
Ações barraram venda
Vaccari é categórico ao recordar que ninguém queria a privatização do Banespa. “Tanto é que o governador Mário Covas (1995-2001) tinha o compromisso conosco de não privatizar. FHC, no entanto, disse ao Covas que, para ficar com o banco, o estado tinha de pagar R$ 15 bilhões, sendo que na avaliação de mercado valia R$ 3 bilhões. Depois foi vendido ao Santander por R$ 7 bi”, critica o dirigente.
A venda levou quase seis anos, entre o anúncio da intervenção em dezembro de 1994, e o fatídico leilão realizado em 20 de novembro de 2000.
E durante todo esse tempo, a resistência dos bancários, apoiados pelos clientes do Banespa e trabalhadores de outras categorias, garantiu ao processo uma transparência que tornou a venda um caso de vergonha nacional.
Várias ações judiciais foram interpeladas pelo Sindicato questionando desde o Regime de Administração Especial até o processo de privatização como um todo. Além disso, uma proposta de reestruturação do Banespa e um Projeto de Emenda à Constituição Estadual (PEC 04/99) foram entregues à Assembleia Legislativa com apoio de mais de 300 mil assinaturas. A PEC queria o retorno do controle acionário do banco ao governo do estado.
Paralelamente às ações na Justiça e à atuação política, uma mobilização ferrenha garantia os holofotes para a luta contra a privatização, angariando apoio popular. Tudo sempre com o foco de esclarecer à sociedade a importância do banco para o financiamento da economia e o desenvolvimento do estado, notadamente para os pequenos agricultores paulistas.
A importância do Banco do Estado de São Paulo pode ser comparada à que Banco do Brasil e Caixa têm para União. Não fossem os bancos públicos, o Estado não teria resistido a crises financeiras mundiais, como a de 2008. São esses os bancos responsáveis por impulsionar políticas públicas que induzam ao desenvolvimento sustentável. A luta contra a privatização do Banespa não era corporativa, mas em defesa de um projeto de país mais soberano.
“Por isso que mais de 300 mil pessoas assinaram pedido de plebiscito para que seja tomada a decisão. Mas o projeto, já aprovado por unanimidade na Comissão de Constituição e Justiça, está parado na mesa do presidente da Assembleia Legislativa paulista, o tucano Vanderlei Macris. Por acaso do mesmo PSDB do governador Mário Covas e do presidente Fernando Henrique Cardoso, aparentemente interessados em entregar o banco paulista a qualquer custo e o quanto antes, mesmo com irregularidades e ilegalidades”, denunciou Vaccari no artigo Pergunte ao verdadeiro dono, publicado no jornal Folha de S.Paulo, em outubro de 2000.
O dirigente comentava denúncias feitas pelo Sindicato e Ministério Público Federal, objeto de ações na Justiça. “Como no processo de contratação do Banco Fator para avaliação e modelagem do processo de privatização, em que foi constatada a participação dos irmãos Bresser Pereira em todas as frentes. Um no Fator, outro no Conselho de Administração do Banespa e um terceiro no ministério de FHC. Acabando com o princípio de impessoalidade”, criticava.
Vaccari relata que a ação contestava também o fato de a remuneração do Fator pelo serviço ser baseada sobre o ágio que houver na compra do banco. Assim, o Fator teria interesse em avaliar o Banespa por um preço mais baixo para que o ágio, e consequentemente sua remuneração pelo serviço, fosse maior.
Venda e mobilização mantida
Apesar de todas as denúncias e das flagrantes irregularidades, o Banespa foi vendido ao banco espanhol Santander por R$ 7,050 bilhões. O ágio pago confirmava uma das suspeitas do Sindicato: 281,02% sobre o preço mínimo de R$ 1,85 bilhão fixado pelo Banco Central à época. O Unibanco apresentou lance de R$ 2,1 bilhões e o Bradesco, de R$ 1,86 bilhão. O Itaú não apareceu para fazer seu lance.
“O dia 20 de novembro de 2000 era uma segunda-feira, com o ar de primavera igual ao deste ano. Às 10h, instalava-se na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro – longe do ringue paulista – o leilão de privatização do Banespa”, lembra reportagem da Contraf-CUT de novembro de 2014. “ Em todo o país, funcionários do Banespa receberam a notícia, durante uma paralisação cívica em frente às agências. Uma grande concentração ocorreu diante do edifício-sede do Banespa, no centro de São Paulo. Muitos se emocionaram e choraram.”
Um estudo feito por economistas do Dieese e da Unicamp, à época, indicou falhas na avaliação do valor do banco. O preço mínimo, apontaram, deveria ter sido o dobro do valor oficial. Não foram considerados, entre outros fatores, a marca Banespa e os créditos fiscais.
Após o leilão, Vaccari declarou que a venda do banco foi realizada depois de um acerto entre os compradores. “Por que o Itaú não concorreu? Por que o Bradesco apresentou preço mínimo? Por que o Unibanco apresentou proposta baixa? Isso foi um acerto para o Banespa ser vendido para um banco internacional.”
A luta, mesmo após a venda do banco, seguiu em defesa dos empregos e direitos dos banespianos. Um acordo aditivo à convenção coletiva dos bancários garante muitos desses direitos e inclusive aos amplia para os trabalhadores contratados após a venda para o Santander.
Vaccari e a luta sindical
João Vaccari Neto passou no concurso para trabalhar como escriturário no Banespa em 1978. Aos 19 anos tinha deixado sua cidade, Lucélia, região do centro-oeste paulista, para trabalhar na capital, mais precisamente no prédio que ficava na Praça do Patriarca e hoje abriga a prefeitura de São Paulo.
“Assim que entrei na agência conheci inúmeros militantes resistentes à ditadura militar. Eu já gostava desse embate político. Então veio a convivência com eles, os debates em assembleias e a luta para tirar a pelegada do Sindicato”, relatou em entrevista feita por ocasião dos 90 anos do Sindicato, em 2013. Em 1978, o novato banespiano já havia participado do processo junto à oposição para conquistar o Sindicato, conhecido na história da entidade como “a retomada”.
“Na apuração de 1979 tínhamos medo de que os pelegos apagassem a luz e compramos lampiões. Lembro da assembleia na Casa de Portugal, com mais de três mil pessoas, das quais 90% nos apoiavam. Conseguimos trocar a mesa que conduziria a assembleia, o que na prática destituía a diretoria do Sindicato na época.”
Com a posse da oposição em 1979, Vaccari entrou definitivamente para a militância sindical. Estava na luta durante a histórica greve de 1985, na conquista da Convenção Coletiva de Trabalho Nacional (CCT) e de outros avanços que se tornaram referência para a classe trabalhadora como o direito aos vales alimentação e refeição, o auxílio-creche, a valorização do piso da categoria.
Participou da fundação da CUT onde foi tesoureiro, secretário-geral, secretário de Relações Internacionais e vice-presidente – e do Partido dos Trabalhadores (PT). Presidiu o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) de 1989 a 1990 e a cooperativa habitacional dos bancários (Bancoop), entre 2004 e 2010. Assumiu a tesouraria nacional do PT onde ficou até abril de 2015.
Durante toda sua militância, enfrentou alguns dos episódios mais desafiadores para a democracia brasileira, como a ditadura militar, as intervenções no Sindicato, até ser um dos presos políticos da Operação Lava Jato, em 2015, por quatro anos. A condenação imposta pelo então juiz Sérgio Moro foi anulada pelo Superior Tribunal de Justiça em 2021 e pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em janeiro deste ano.
Para ele, a operação tinha como objetivo tirar da sociedade brasileira o controle do pré-sal. “A Lava Jato era encomendada pelos grandes exportadores de petróleo e tinha como razão dominar a nossa produção.”