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A Era da Resistência
Em 1992, com a criação da Confederação Nacional dos Bancários (CNB/CUT) e a assinatura da Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) válida para todo o país, o movimento sindical bancário coroava uma longa trajetória de unificação nacional da categoria que havia sido retomada em fins dos anos 1970 com a emergência do “novo sindicalismo”. Atravessado por movimentos de massa, greves memoráveis e extraordinário fortalecimento das organizações dos trabalhadores, a partir de 1993 este processo sofreria fortes refluxos na medida em que importantes componentes que o haviam viabilizado passaram a ser solapados.
A intensificação de diversas mudanças no setor financeiro e a hegemonia neoliberal na política brasileira fomentaram demissões, terceirizações, privatizações, “flexibilização” das leis trabalhistas e um governo federal pouco aberto à negociação com os trabalhadores. Desenhava-se, no Brasil, um cenário de degradação do mundo do trabalho que atingia não apenas o setor privado, mas também o setor público.
Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), especialmente, os trabalhadores e suas organizações foram lançados em uma posição defensiva, em que a manutenção de direitos já se mostrava enorme conquista. A venda dos bancos públicos estaduais e o isolamento político a que governo federal submeteu os trabalhadores do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal foram duros golpes sobre o potencial de mobilização e luta da categoria. Ainda que o percentual de bancários sindicalizados tenha se mantido bastante elevado, os números absolutos sofreram grandes reduções em todo o Brasil. Em um contexto de perda de ativistas, reunir centenas de trabalhadores em uma assembleia ou realizar uma greve geral da categoria passaram a ser tarefas das mais complexas, levando os sindicatos a desenvolver novas formas de organização e mobilização.
Apesar de tantas dificuldades, o período 1993-2002 foi também de conquistas. A maior delas foi, provavelmente, a manutenção da CCT. Em uma conjuntura em que as práticas da negociação coletiva sofreram, no Brasil, uma notável descentralização, ganhando espaços os acordos por empresa, a CCT nacional dos bancários era um caso único. Ela servia tanto de referência para as lutas do presente como de horizonte para o qual deveriam convergir as ações para a reunificação da categoria.
Outras vitórias se deram em reivindicações que passaram a integrar a pauta dos bancários brasileiros. Temas como Participação nos Lucros e Resultados (PLR), igualdade de oportunidades, saúde e condições de trabalho, entre outros, foram devidamente reformulados a partir do ponto de vista dos trabalhadores. Finalmente, esse período viu ganhar força a concepção do “sindicalismo cidadão”, que, considerando as múltiplas inserções sociais dos trabalhadores, ampliou os espaços de atuação sindical.
Políticas neoliberais esvaziaram o Estado de seu papel de provedor dos serviços sociais básicos e de políticas públicas de desenvolvimento geral e setorial. Entidades sindicais, principalmente as filiadas à CUT, em articulação com outras organizações da sociedade e organismos do próprio Estado, empenharam-se em promover políticas públicas e articular formas de pressão junto aos governos estadual e federal, entre outras iniciativas.
Nesse cenário de devastação e conquistas, o Sindicato colocou-se como um protagonista nacional. Foi agente propulsor de ações que (re)inventaram o movimento sindical dos bancários, tornando possível a resistência e, até mesmo, alguns avanços. Retomando as campanhas salariais do período 1993-2002, conheceremos alguns dos momentos decisivos desse processo.
1993
Em 1993, lutas locais asseguram conquista nacional
Apesar dos 2.489% de inflação anual registrados em 1993 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Sindicato teve que empreender grandes esforços para envolver os bancários na campanha salarial. No restante do Brasil, o engajamento mostrava-se ainda mais difícil. Não era para menos. Desemprego crescente e arrocho salarial induzido pelo governo federal destacavam-se em uma conjuntura hostil às reivindicações dos trabalhadores e que, nos anos seguintes, iria ganhar contornos mais nítidos e dramáticos.
Em julho, quando os bancários iniciavam sua campanha salarial, o presidente Itamar Franco e o ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, anunciaram a implantação de uma nova moeda, o Cruzeiro Real. Tendo na memória os fracassados planos econômicos dos anos anteriores e o acelerado aumento dos preços desde janeiro, o Sindicato priorizou a defesa da renda dos trabalhadores, reivindicando o reajuste mensal dos salários pela inflação integral e a elevação do piso salarial. Também ganharam destaque propostas para garantir e aumentar os empregos, como a ampliação do horário de atendimento bancário para o período das 9h às 17h (com a implantação de dois turnos de trabalho). Tais demandas emergiram de uma ampla consulta promovida pelo Sindicato.
Em um processo liderado pela CNB, a Confederação Nacional dos Bancários (futura Contraf/CUT), os dirigentes sindicais empenharam-se, desde o princípio, para avançar em uma campanha salarial nacional e unificada, buscando consolidar a CCT assinada em 1992. Exigia-se, como prioridade, o pagamento da gratificação semestral para todos os 695 mil bancários do país, com base no balanço semestral dos bancos. Entretanto, o governo federal frustrou essas expectativas ao manter o Banco do Brasil e a Caixa praticamente à parte das negociações com a Federação Nacional dos Bancos (Fenaban), que representava as instituições financeiras privadas.
Os banqueiros negaram todas as reivindicações, levando a categoria à organização da greve nacional. Todavia, em 14 de setembro, o Comando Nacional avaliou que somente em São Paulo, Bahia e Rio de Janeiro a mobilização poderia deslanchar. A Fenaban fez uma proposta de elevação dos pisos de escriturário e caixa a Gilmar Carneiro, então presidente do Sindicato, levando os 2 mil presentes em assembleia a adiarem o início da greve. Entretanto, no dia seguinte, em nota oficial, a Fenaban, devido a discordâncias internas, negou que tivesse feito qualquer proposta. A diretoria do Sindicato decidiu responder à atitude “antiética” dos banqueiros com uma greve. Como as realidades dos vários bancos eram diferentes, optou-se por um processo de mobilização que se iniciaria pelos bancos mais organizados e iria contagiando outras instituições.
Assim, em 29 de setembro, a greve começa pelos bancos Real, Mercantil-Finasa e Nossa Caixa. Nos dias seguintes, os dois primeiros bancos fazem propostas aos grevistas. Temendo a generalização do movimento, em 6 de outubro a Fenaban estende a oferta para os bancários de todo o país.
Ainda que não tenham obtido o reajuste mensal pela inflação integral, os bancários conquistaram, com a elevação dos pisos de caixas e escriturários, aumento real (37% e 24%, respectivamente) superior ao que qualquer categoria havia obtido nos últimos anos. Por meio de paralisações por empresa, os bancários de São Paulo obtiveram uma vitória que redundou em ganhos para trabalhadores do setor em todo o país, reiterando a importância do fortalecimento da CCT. Por sua vez, os trabalhadores de BB e CEF, cujo negociador arbitrariamente definido pelo governo era a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Crédito (Contec), mantiveram negociações separadas e não obtiveram o que se conquistou junto à Fenaban. Tal isolamento, decorrente de orientação política do então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, aumentaria nos próximos anos, tendo graves repercussões negativas para a categoria.
1994
Com criatividade, a conquista de um novo direito: a cesta-alimentação
Na campanha salarial, a preocupação central do Sindicato continuou sendo a luta contra os impactos da inflação, que no primeiro semestre havia chegado a cerca de 50% ao mês, sobre os salários dos trabalhadores. Reivindicava-se o reajuste mensal automático com base no Índice do Custo de Vida (ICV-Dieese) e a reposição integral da inflação do ano anterior.
Denunciava-se ainda que, na mudança do Cruzeiro Real para o Real, os trabalhadores sofreram um duro golpe em seu poder de compra: enquanto seus salários foram convertidos para a nova moeda pela média de alguns meses arbitrariamente definidos, os preços das mercadorias tiveram como referência para a conversão seu último valor. Isso redundou em distorções absurdas. Se, em setembro de 1993, o piso de um caixa comprava 6,26 cestas básicas, um ano depois, obtinha-se apenas 3,4. Além desse tema central, outros apresentados em 1993 voltaram à cena. Alguns com grande destaque, como a defesa da Nossa Caixa e do Banespa, que sofreria intervenção federal em dezembro de 1994.
Para envolver os trabalhadores de sua base nas mobilizações, o Sindicato valeu-se de uma novidade: as paralisações-surpresa, batizadas de “Kinder Ovo”, nome de um chocolate de formato oval, popular entre as crianças por trazer um brinquedo como surpresa em seu interior. Quase todos os dias, atrasava-se a entrada em um local de trabalho ou paralisava-se uma unidade e realizava-se uma assembleia. A cada dia, uma instituição financeira era priorizada. Os dirigentes sindicais avaliavam que, para superar a repressão dos bancos, era necessário levar as assembleias aos locais de trabalho. Em vez de uma assembleia com centenas de pessoas, seriam realizadas várias, das quais participariam milhares de trabalhadores.
A tática fez sucesso e revelou-se importante mecanismo de pressão sobre os banqueiros, que se mostravam especialmente intransigentes. A Fenaban chegou a entrar com um pedido de ajuizamento de dissídio no Tribunal Regional do Trabalho (TRT). Atitude idêntica à adotada por BB e Caixa, que recorreram ao Tribunal Superior do Trabalho (TST). Avaliando que o chamado para uma greve geral encontrava pouca adesão, o Sindicato intensificou as paralisações “Kinder Ovo” para obter uma melhor proposta da Fenaban, que foi feita em 23 de outubro e aprovada em assembleia dois dias depois.
Em um ano em que os trabalhadores brasileiros sofreram incontáveis reveses, os bancários conquistaram, além de um reajuste salarial de 16% e do pagamento de adicional para os demitidos sem justa causa, um novo direito que passaria a integrar a CCT: a cesta-alimentação. Em um contexto de forte inflação dos preços dos alimentos, a cesta-alimentação recompunha significativamente a renda dos bancários. Os trabalhadores do BB e da Caixa foram excluídos dessa conquista. Isolados pelo governo federal, com a ajuda da Contec, eles receberam somente 11,87% de reajuste salarial.
1995
A conquista da participação nos lucros e resultados
Mal o ano havia começado e o Sindicato iniciou uma campanha salarial de emergência. Como havia sido estabelecido no acordo de 1994, banqueiros e bancários voltariam a negociar em fevereiro, tendo mais claro o cenário pós-plano econômico. Para os trabalhadores, era evidente que a implantação do Real trouxera perdas relevantes. Após negociações com a Fenaban, os trabalhadores de bancos privados conquistaram um reajuste de 8% a partir de março de 1995.
Apesar do aumento acumulado pós-Real chegar a 25,28%, ainda mantinha-se, segundo o ICV-Dieese, uma defasagem de 8,52% em relação a setembro. Entretanto, considerando-se o que o governo federal reservava para os trabalhadores brasileiros em 1995, a conquista dos bancários ganhava enormes proporções.
O recém-empossado presidente Fernando Henrique Cardoso desestimulou a reposição integral da inflação e se recusou a negociar com o movimento sindical. Em maio, durante a greve dos petroleiros, o governo federal conduziu a situação a um impasse que culminou na ocupação pelo Exército de quatro refinarias. Para os empresários, o governo revelou sua face generosa. Às dificuldades enfrentadas pelos banqueiros, ele responderia, a partir de fins de 1995, com os bilhões de reais do Proer, o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional.
Em agosto, intensificaram-se as ações da campanha salarial nacional dos bancários. Diante do crescimento do lucro dos bancos, o estabelecimento de fórmulas e critérios básicos para o pagamento de Participação nos Lucros e Resultados (PLR) destacou-se entre as reivindicações. Novamente, o envolvimento dos trabalhadores nas mobilizações impõe-se como um desafio ao Sindicato. As diversas mudanças no sistema financeiro fomentavam um clima de insegurança na categoria, que se consolidava e expandia à medida que instituições, como o BB, implementavam seus programas de demissão voluntária. Assim, na assembleia que recusou a primeira proposta da Fenaban, em 23 de agosto, apenas 200 bancários estavam presentes. Por isso, retomaram-se as paralisações-surpresa de 1994 e outras formas de mobilização.
Os esforços do Sindicato foram coroados com a participação de 25.886 bancários no plebiscito que decidiu pela aprovação da segunda proposta da Fenaban. Decisão ratificada por assembleia em 4 de outubro. Em um cenário bastante desfavorável, os bancários obtiveram aumento real de 3,34% a 6,29% com base no INPC-IBGE e o fornecimento de vale-alimentação às bancárias em período de licença-maternidade.
Entretanto, a maior conquista de 1995 foi a PLR para os trabalhadores dos bancos privados e boa parte dos estaduais. Os bancários tornavam-se a primeira categoria do país a tê-la incluída como cláusula na CCT. Sob diversos nomes, muitos bancários já recebiam algum tipo de participação nos lucros e resultados dos bancos. Todavia, os critérios de pagamentos eram definidos arbitrariamente em cada instituição. A partir de agora, a PLR passava a ser um direito e suas regras de pagamento deveriam ser claramente acordadas em negociações com as organizações sindicais. Em 1995, chegou-se à fórmula de 72% do salário mais uma parcela fixa de R$ 200.
Ameaçados e isolados pelo governo federal, os trabalhadores do BB e da Caixa tentaram resistir. No primeiro, realizou-se paralisação de 24 horas. Na Caixa, deflagrou-se uma greve nacional que duraria 12 dias e contaria com grande adesão em São Paulo. Apesar disso, os dois bancos mantiveram-se intransigentes e concederam reajuste inferior ao firmado com a Fenaban. No caso do BB, mais uma vez, a negociação foi substituída por decisão do TST. Para os trabalhadores dos bancos públicos federais, aquele ano de 1995 terminava com sabor amargo.
1996
A primeira greve da categoria após a implantação do Real
A pauta de reivindicações da campanha salarial nacional, em 1996, trouxe importantes novidades. Sobre a PLR, propunha-se a divisão (proporcional ao salário) de 25% do lucro bruto das empresas entre os funcionários. Como prioridade, apontava-se a criação e o aperfeiçoamento de mecanismos de qualificação dos trabalhadores para reduzir os grandes impactos das transformações, especialmente tecnológicas, pelas quais passava o setor. Além disso, avançava-se com a proposta de formação de comissão bipartite para debater as formas existentes de remuneração variável e elaborar outras mais adequadas, justas e que coibissem discriminações. Temas já consolidados, como as lutas pela manutenção dos benefícios a todos os afastados por problemas de saúde e contra as terceirizações, também se destacaram.
O Sindicato desenvolveu uma contagiante e abrangente “ofensiva comunicacional”, valendo-se de um plantão telefônico 24 horas, caixas de som distribuídas pelo centro da cidade que reproduziam a leitura da Folha Bancária, boletins diários em rádios da capital, distribuição de cartilhas aos clientes sobre a liberação das tarifas bancárias. E, até mesmo, anúncio televisivo, no intervalo do Jornal Nacional da Rede Globo.
Empreendiam-se, ao mesmo tempo, ações em diversos outros âmbitos. As paralisações-surpresa, sobretudo nos centros administrativos, áreas mais sensíveis dos bancos, cresceram em importância. Em audiência com o vice-presidente, Marco Maciel, o presidente do Sindicato, Ricardo Berzoini, o secretário-geral da CUT, João Vaccari, e o presidente da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Antonio Carlos Spis, questionaram a péssima postura que vinha sendo adotada nas negociações com os trabalhadores de empresas estatais.
Apesar do amplo esforço de negociação do Sindicato, os banqueiros e o governo federal mantiveram-se intransigentes, levando a categoria à greve iniciada em 26 de setembro. Além das habituais ameaças das chefias para forçar a adesão dos bancários aos contingenciamentos, em 1996 uma nova forma de limitar o legítimo direito de greve passou a ser usada pelos bancos contra o Sindicato: o recurso jurídico aos interditos proibitórios. Previsto no Código Civil, o interdito proibitório é uma ação jurídica relacionada a situações nas quais o direito de posse ou de propriedade está sendo ameaçado. Desde os anos 1990, as instituições financeiras faziam uso deturpado dos interditos, o que foi intensificado nos anos 2000, à medida que a categoria retomava sua capacidade de mobilização. Valendo-se dos interditos, os bancos, recorrendo à polícia, impediam que os dirigentes sindicais se aproximassem dos locais de trabalho, além de proibir a utilização de faixas e cartazes. Além disso, se desrespeitadas essas determinações judiciais, as organizações dos trabalhadores podem receber elevadas multas. O Sindicato atuou nos mais variados âmbitos para conter os interditos proibitórios, que, visivelmente, buscavam a inviabilização financeira das entidades representativas dos trabalhadores e a criminalização do movimento sindical.
Era evidente a intenção dos banqueiros de se aproveitar de uma manobra jurídica para acabar com as paralisações-surpresa promovidas pelo Sindicato nos locais de trabalho e que obtinham cada vez mais adesão dos trabalhadores. As novas estratégias de mobilização do Sindicato ampliavam o engajamento dos trabalhadores, o que pareceu inaceitável aos banqueiros.
Mesmo assim, e com grande empenho, os bancários conseguiram sustentar a paralisação coletiva do trabalho por nove dias. Em 4 de outubro, aprovaram a proposta da Fenaban que assegurou PLR de 60% do salário + R$ 270, reajuste salarial e um abono de 45% do salário. Mais uma vez, os trabalhadores do BB e da Caixa foram isolados das negociações com a Fenaban. Em 16 de setembro, os funcionários da Caixa iniciaram um movimento grevista, que logo foi suspenso devido à baixa adesão, resultante, em boa medida, do programa de demissão voluntária que estava sendo implementado no banco.
O fechamento dos canais de negociação era tão acentuado que somente em outubro de 1997 os bancários da Caixa assinaram o acordo coletivo referente ao ano anterior. Assim como os trabalhadores do BB, eles receberam reajuste zero e abono salarial. Apesar da exclusão dos bancos públicos federais, a campanha salarial de 1996 redundou em significativos ganhos para o fortalecimento da CCT. Naquele momento, 70% dos trabalhadores da base do Sindicato passaram a ser por ela abrangidos.
1997
Resistir é preciso: a tomada da Cidade de Deus, matriz do Bradesco
Em um ano marcado pelo agravamento da “flexibilização” das relações de trabalho, patrocinado pelo governo federal, e intensificação de demissões em todo o país, os bancários puseram em marcha sua campanha salarial. A obtenção de uma PLR mais justa e com regras bem definidas torna-se um eixo prioritário. Reivindicava-se, por exemplo, que os programas de resultados dos bancos não fossem descontados da PLR. Nesse sentido, o Sindicato optou por falar apenas em “PL” (participação nos lucros). Para os trabalhadores do BB e da Caixa, a reposição das perdas acumuladas era o tema mais importante.
Criando novas formas de envolvimento dos bancários na campanha salarial e recorrendo às paralisações-assembleias nos locais de trabalho, neste ano batizadas de “A Indomada”, e às manifestações, o Sindicato promoveu três meses de mobilizações. Tudo isso culminou na paralisação da Cidade de Deus, matriz do Bradesco. Para o êxito dessa ação, que não se via desde 1983, colaboraram 1.200 sindicalistas de todo o Brasil que participavam, na capital paulista, do Encontro Nacional dos Bancários. Dois dias depois, em 26 de outubro, os banqueiros fizeram, após 41 dias de silêncio, uma nova proposta, que foi aceita pelos bancários.
No começo da campanha salarial, aproveitando-se do contexto desfavorável aos trabalhadores, os banqueiros, além de sugerirem a eliminação de direitos, como o anuênio, ofereceram reajuste inferior à inflação. Devido à mobilização, a Fenaban foi obrigada a propor reajuste salarial, PLR maior (80% do salário + R$ 300), com pagamento semestral, e recuar em seus outros intentos. Obteve-se, ainda, a complementação salarial para os afastados por doença ou acidentes. Os trabalhadores do BB e da Caixa não conquistaram reajuste salarial, apenas abono. Por outro lado, obtiveram estabilidade no emprego até agosto de 1998. Significativa vitória em um quadro de adversidades no qual, por exemplo, o BB, mais uma a vez, trocou a mesa de negociação pelas decisões do TST.
1998
Em defesa da jornada de 6 horas para todos os bancários
Na ampla consulta realizada junto à categoria para definir a pauta de reivindicações da campanha salarial em 1998, a garantia de emprego ganhou relevo. Entre os trabalhadores da Caixa e do BB, priorizava-se a reposição das perdas salariais dos períodos anteriores. Nesse ano, ao lado de temas habituais, apareceu, com destaque, a luta por isonomia de tratamento e o combate ao preconceito de gênero, raça e orientação sexual, o que indicava a consolidação de importantes mudanças na atuação do Sindicato.
A queda da inflação havia tirado o principal elemento de visibilidade da entidade, as campanhas por reposições expressivas de salário, mas possibilitou uma presença muito forte no dia a dia da categoria. Temas como as várias formas de discriminação nos locais de trabalho ou a política de saúde dos trabalhadores receberam atenção renovada, estimulando diversas campanhas específicas. Isso sem falar em questões, como a PLR, que demandavam novos conhecimentos dos dirigentes.
No esforço para envolver os bancários nas mobilizações da campanha salarial, o Sindicato recorreu ao variado e criativo repertório de ações que se gestara nos anos anteriores. Diante da intransigência dos banqueiros, que chegaram a propor reajuste zero, a campanha salarial teve momentos dramáticos, como a vigília de 12 horas de diretores do Sindicato que se recusaram a deixar a sala de reuniões da Fenaban até que fosse feita uma proposta melhor.
Os trabalhadores do BB e da Caixa deflagraram paralisações nacionais, porém a adesão foi pequena. Para que se resolvesse o impasse das negociações junto aos bancos públicos, a CNB/CUT e representantes de vários sindicatos pressionaram parlamentares. Quando tudo parecia encaminhar para uma greve da categoria, a Fenaban apresentou uma nova proposta em 17 de novembro.
Em mais uma longa e desgastante campanha salarial, os banqueiros retardaram ao máximo qualquer oferta e tentaram impedir a mobilização dos trabalhadores recorrendo a interditos proibitórios. Aproveitando-se da crise financeira internacional, que se iniciara em 1997, no Sudeste Asiático, os banqueiros pretenderam eliminar direitos, como o anuênio e a jornada de 6 horas para os comissionados.
Sindicalistas bancários de todo o país participaram ativamente da campanha salarial em São Paulo. Isso tornou possível manter os direitos e a conquista do abono de R$ 700, do reajuste salarial e da PLR de 80% do salário + R$ 300. Os trabalhadores do BB e da Caixa procuraram unificar suas campanhas salariais. Rompendo com a política de reajuste zero, na Caixa obteve-se 1% no salário padrão, mais abono. No BB, além da recusa em se discutir com os trabalhadores os critérios discriminatórios utilizados para o pagamento da PLR, concedeu-se apenas abono. A reeleição de Fernando Henrique Cardoso, em outubro de 1998, apontava, como logo se confirmaria, para mais quatro anos difíceis para os bancários em geral e, mais ainda, para aqueles dos bancos públicos.
1999
O mesmo presidente, a mesma política: mais um ano de reajuste zero
Começando seu segundo mandato, o presidente Fernando Henrique Cardoso intensificou o processo de privatizações, aumentando o receio dos bancários do BB e da Caixa, e dificultando a mobilização dos trabalhadores. Por outro lado, os tempos difíceis que os banqueiros alegavam que viveriam após a crise financeira internacional de 1998 não se confirmaram. Para o primeiro semestre de 1999, o Itaú, por exemplo, declarou lucro líquido de R$ 1,094 bilhão, o maior já obtido por um banco brasileiro até então. A origem desse montante era evidente para o Sindicato. Cobrança extorsiva de tarifas, juros de agiota, filas e falta de segurança para os clientes. Excesso de trabalho, de horas extras, de demissões, terceirização e a mesma falta de segurança para os bancários. Tais elementos fomentaram a extensa e variada pauta de reivindicações que os bancários de todo o país apresentaram ao iniciar mais uma dura campanha salarial.
Diversas exigências relacionavam-se à manutenção e ao aumento dos empregos no setor: a elevação dos pisos salariais para inibir a rotatividade, a ampliação do horário de atendimento ao público, o reconhecimento da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para conter as demissões imotivadas etc. Com a crescente exigência de qualificação profissional por parte dos bancos, o sempre presente tema do auxílio-educação para todos voltava a se destacar.
Avançando em seu propósito de representar outros trabalhadores do ramo financeiro e de lhes garantir mais direitos, o Sindicato reivindicava, também, a extensão da CCT dos bancários para todos os empregados em empresas prestadoras de serviços de crédito, de apoio ao crédito e promotoras de venda, e a garantia do enquadramento como bancários dos empregados em empresas terceirizadas que realizam atividades ligadas ao sistema financeiro. Elaborando propostas mais detalhadas sobre temas levantados em campanhas anteriores, exigia-se, ainda, a extensão aos casais homoafetivos de todos os direitos desfrutados pelos heteroafetivos e a inserção de cláusula específica na CCT para combater o assédio sexual.
Mais uma vez, o Sindicato empreendeu uma notável “ofensiva comunicacional”. Além da tradicional distribuição do Jornal do Cliente e da divulgação de boletins em rádios da capital, novas experiências, como a utilização de recursos da internet (chats), foram acionadas para esclarecer e debater as reivindicações dos bancários. Tudo isso acompanhado dos consolidados mutirões nas regionais e das paralisações seguidas de assembleias nos locais de trabalho. Apesar da crescente mobilização, a Fenaban permaneceu 40 dias em silêncio entre a primeira e a segunda proposta, que foi aprovada em 28 de outubro. Os trabalhadores do Banespa, da Caixa e do BB continuaram pressionando com paralisações, uma vez que lhes foi “ofertado” o congelamento salarial.
No acordo com a Fenaban, a categoria obteve reposição da inflação, PLR de 80% do salário + R$ 400 e a garantia de discussão do tema igualdade de oportunidades após a assinatura da CCT. Os banespianos, por sua vez, asseguraram as cláusulas econômicas conquistadas junto à Fenaban e recuperaram integralmente o acordo
2000
Em meio a derrotas, a conquista da cláusula sobre igualdade de oportunidades
Do início ao fim, o ano de 2000 foi marcado por grandes derrotas para os bancários em geral e os de São Paulo em particular. Em fevereiro, a diretoria da Caixa baixou a norma RH 008 que autorizava a demissão sem justa causa de funcionários, evidenciando as intenções do banco de reduzir o quadro de empregados. Em fins de novembro, depois de seis anos de intensa luta contra a privatização, o Banespa foi vendido ao Santander.
A conjuntura ainda muito desfavorável aos trabalhadores, entretanto, não impediu os bancários de levarem uma extensa e variada pauta de reivindicações à mesa de negociações. Evidentemente, na campanha salarial, a defesa dos bancos públicos assumia centralidade. Mas também reivindicações vinculadas aos temas saúde e igualdade de oportunidades tornavam-se cada vez mais detalhadas. Exigências como a implementação do programa de prevenção e acompanhamento de Lesões por Esforço Repetitivo (LER), que havia sido criado pela comissão paritária de bancários e banqueiros, e a inclusão dos maridos como dependentes de suas esposas bancárias, eram claramente elaboradas e imediatamente aplicáveis.
Uma criativa novidade da campanha salarial foram as paralisações breves nos locais de trabalho, batizadas de Operação Dá Um Tempo. A esses pequenos e dispersos atos, somaram-se grandes eventos, como o Encontro Nacional do Banespa, que reuniu mais de 7 mil pessoas no ginásio do Canindé, em São Paulo.
Os banespianos, diante da recusa do banco em renovar integralmente o acordo coletivo dos funcionários, fizeram uma forte greve de dez dias. Com isso, conquistaram abono de R$ 3.000 e garantiram o repasse do reajuste que fosse acertado com a Fenaban, inclusive na PLR, e renovação das cláusulas do acordo coletivo, com exceção da garantia no emprego. Os trabalhadores do BB romperam a política de reajuste zero e obtiveram 1,7% + abono. Com a Fenaban, após dois meses e meio de negociações, obteve-se PLR de 80% do salário + R$ 450 e reajuste salarial.
Surfando na onda neoliberal, os banqueiros vinham tentando eliminar direitos, em especial a jornada de 6 horas e o anuênio. Temas que o Sindicato jamais aceitou negociar. Entretanto, quando os banqueiros propuseram a troca do anuênio por uma indenização, muitos bancários, premidos por dificuldades econômicas, tenderam a aceitar a “oferta”, o que levou o Sindicato a propor a realização de um plebiscito. Os dirigentes sindicais empenharam suas energias na campanha Bancário, vote NÃO. Entregar seu direito hoje é entregar seu emprego amanhã. Argumentavam que, se apenas parte dos bancários mantivesse o direito, estaria se estimulando a rotatividade no setor, visto que os bancos optariam por demitir aqueles que recebiam o anuênio para pagar menos aos que ingressavam na carreira. Além disso, no longo prazo, permanecer com o anuênio traria ganhos financeiros muito superiores à indenização, uma vez que ele era cumulativo e incidia sobre todas as verbas trabalhistas.
Mas a categoria pensava diferente: 61% dos que participaram do plebiscito aprovaram a inserção de uma cláusula na CCT que permitia aos bancários contratados até 21 de novembro “optarem” pela troca do anuênio por uma indenização. Para os que ingressassem na carreira, o direito não existiria mais. Mesmo com a perda dessa conquista de quase quatro décadas, a campanha se encerrou com a inclusão de cláusula inédita sobre igualdade de oportunidades na CCT.
2001
Garantindo direitos: a luta dos banespianos, símbolo de resistência
O ano de 2001 foi marcado pelas incertezas internacionais causadas pelos atentados ao World Trade Center, nos Estados Unidos, ocorrido em meio à campanha salarial dos bancários. Nesse ano, o Sindicato novamente levou adiante ampla consulta para saber dos bancários quais deveriam ser as reivindicações prioritárias da categoria. Entre os banespianos, a defesa dos direitos após a privatização do banco tomou a dianteira. Outra defesa importante era a da Nossa Caixa, apontada como próximo alvo das privatizações. Por outro lado, reivindicações antigas mantinham o seu espaço: PLR de 25% do lucro bruto dos bancos, auxílio-educação e convênio médico gratuito para todos os bancários.
Em termos de mobilização, ficou evidente que práticas bastante utilizadas pelos dirigentes e militantes sindicais desde 1994 integraram-se com sucesso à cultura política dos bancários e ganharam novas dimensões. As “Kinder Ovo”, por exemplo, já se apoiavam nas organizações existentes nos locais de trabalho e eram previamente programadas e divulgadas em escala nacional. Os próprios bancários indicavam ao Sindicato os setores, especialmente nos centros administrativos, que, uma vez parados, trariam mais dificuldades ao funcionamento do sistema.
A campanha salarial de 2001 trouxe, também, novidades. Pelo telefone, os bancários tiveram acesso ao disque notícia, isto é, boletins de aproximadamente quatro minutos, com atualização diária, sobre a campanha e outras informações de interesse da categoria. Os trabalhadores puderam, ainda, enviar e-mails ao Sindicato manifestando suas opiniões sobre as propostas da Fenaban. Por fim, na campanha salarial de 2001, realizou-se o dia internacional de luta dos funcionários do Banco Bilbao Vizcaya (BBV), importante marco da organização em nível global dos bancários, processo que ganharia cada vez mais importância nos anos seguintes.
Os banespianos resistiram e asseguraram abono salarial, renovação de 85 cláusulas e a manutenção do patrocínio do banco para a Cabesp (assistência à saúde) e o Banesprev (previdência complementar) por tempo indeterminado. Asseguraram, também, garantia de emprego por um ano, que, apesar de interrupções, seria renovada até 2006, e estabilidade pré-aposentadoria de 36 meses. Por outro lado, só receberiam reajuste salarial quando a inflação ultrapassasse 9,8%. Junto à Fenaban, a categoria obteve reajuste de 5,5% mais abono de R$ 1.100 e PLR de 80% do salário + R$ 500. Pelo segundo ano consecutivo, os trabalhadores do BB conquistaram reajuste salarial (ainda que baixo) e, após sete anos, conseguiram a cesta-alimentação. Já na Caixa, não se obteve reajuste salarial.
Em um contexto especialmente hostil aos bancários, é possível afirmar que os aproximadamente 100 mil trabalhadores da base do Sindicato lograram conter a eliminação de direitos que se iniciara no ano anterior. A massiva participação dos banespianos, ainda que não tenha conseguido evitar todas as perdas, pode ser tomada como um símbolo da capacidade de luta e resistência dos trabalhadores na medida em que impediu o processo de demissão em massa ocorrido em outros bancos privatizados.
2002
Em compasso de espera, a categoria busca a (re)unificação
Ao final do oitavo e último ano do governo de Fernando Henrique Cardoso, o Sindicato não tinha dúvida de que somente a vitória de outro projeto político para o país estabeleceria uma correlação de forças mais favorável aos bancários e aos trabalhadores em geral. Sobretudo entre os empregados do Banco do Brasil e da Caixa, a mesma avaliação predominava. Orientadas pelas decisões políticas do governo federal, as direções desses bancos haviam administrado as empresas com mão de ferro.
A reconstrução da unidade da categoria permeou toda a campanha salarial de 2002. Os trabalhadores do BB e da Caixa reiteraram a prioridade de que esses bancos cumprissem integralmente a CCT. Os banespianos, potencializando as lutas dos trabalhadores do Grupo Santander, exigiam a unificação pelas cláusulas mais benéficas dos contratos de trabalho dos funcionários do Santander Banespa, Santander Brasil e Santander Meridional. Temas como a garantia de emprego e a defesa dos bancos públicos ocuparam os lugares que lhes eram sempre reservados.
Ao contrário dos anos anteriores, em que os banqueiros retardaram ao máximo qualquer proposta, as negociações resolveram-se rapidamente. Na segunda semana, a Fenaban já fez a oferta que seria aprovada na assembleia do dia 17 de setembro. A intensificação das formas de mobilização utilizadas em 2001 e o calendário eleitoral impulsionaram a agilidade dos banqueiros.
Em 23 de setembro, os funcionários do BB decidiram aceitar a proposta da direção do banco para fechar o acordo coletivo 2002-2003. Na Caixa, entretanto, a intransigência persistiu. Em fins de novembro, a direção do banco ainda não havia apresentado nenhuma contraproposta, levando os dirigentes sindicais a iniciar as tratativas com a equipe indicada por Luiz Inácio Lula da Silva, vencedor das eleições presidenciais, para conduzir o processo de transição no governo federal. Os trabalhadores do BB e da Caixa fecharam o ano com reajuste inferior ao conquistado junto à Fenaban, com a qual acordou-se, também, abono e PLR de 80% do salário + R$ 550. Com esperança, os bancários aguardavam a vinda de dias melhores.