Em pleno debate sobre o fim da jornada 6×1, bancários relembram conquista de 1962, do fim do trabalho aos sábados, direito constantemente ameaçado por parlamentares de direita no Brasil
O trabalho enriquece o homem ou o trabalho empobrece o homem? Depende de quem trabalha, como trabalha e para quem trabalha. Desde que o mundo é mundo, a força de trabalho é explorada em benefício de poucos. Os patrões, sejam eles empresários, banqueiros, querem sempre lucrar mais, e acham que podem fazer isso retirando direitos dos trabalhadores. Se não há reação, é perda na certa.
Tanto é assim que todas as garantias previstas hoje em leis trabalhistas, sem exceção, foram arrancadas por trabalhadores que, cientes do seu valor, decidiram se mobilizar e conquistar direitos. Não falha nunca! E em todas as ocasiões, os patrões, com apoio da mídia mantida por eles (desde os tempos dos jornalões de papel), ameaçavam: isso vai acabar com os empregos, vai levar à falência das empresas etc etc etc. Nada disso aconteceu, nem com a instalação da jornada de 44 horas semanais, pagamento de férias, salário mínimo, do descanso semanal remunerado…
Foi assim também em 1962, quando da criação do 13º salário. Ano em que os bancários conquistaram o fim do trabalho aos sábados. Era a quarta vez que a categoria se somava a outros trabalhadores em greve geral por avanços na legislação trabalhista. O presidente era João Goulart, com forte relação de respeito à classe trabalhadora que soube se unir para fazer valer seus direitos.
Assim, em setembro daquele ano, além de um bom acordo salarial e da unificação da data base da categoria em seis estados, os bancários asseguraram uma nova cláusula ao acordo, extinguindo o trabalho aos sábados nas agências em todo o país. No final de 1962, projeto de autoria do deputado e ex-presidente do Sindicato, Salvador Losacco, viraria lei extinguindo o trabalho aos sábados nos bancos, comprovando a importância da união entre a mobilização dos trabalhadores e a boa representação política.
Não para
A conquista arrancada na luta, então, virou lei. A proibição do trabalho aos sábados para os bancários está nos artigos 224 e 225 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e estabelecida também na Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) da categoria.
Mesmo assim, são vários os projetos de lei apresentados por partidos de direita, ao longo da história, com o objetivo de defender banqueiros e forçar o trabalho aos finais de semana como expediente normal. Ou seja, tirando da excepcionalidade e sequer prevendo o pagamento de horas extras. Os empresários, os banqueiros, os patrões de forma geral continuam tentando. E, com o apoio e organização dos sindicatos, os trabalhadores seguem resistindo.
Em 2019, por exemplo, em plena era Bolsonaro, a luta era contra a MP 881, que autorizava o trabalho aos sábados, domingos e feriados. E os trabalhadores venceram.
No dia 4 de novembro de 2024, caiu por terra mais uma dessas investidas contra o direito ao descanso dos bancários aos sábados, domingos e feriados. A pressão do movimento sindical e a mobilização da categoria bancária, levaram o deputado federal David Soares (União-SP), autor do Projeto de Lei (PL) 1043/19, a retirar a matéria de tramitação.
A desculpa dos bancos, ao defender a pauta, era o atendimento à população. Logo eles que demitem bancários e fecham diariamente agências em todo o país, obrigando a população a realizar os próprios serviços bancários por meio de seus celulares e computadores pessoais. Ou ainda nas empresas terceirizadas, nos correspondentes…
Alexandre Caso, dirigente do Sindicato e representante da entidade no Grupo Nacional da Agenda Legislativa das Centrais Sindicais, considera esse tipo de projeto elitista.
“Não visava ampliar atendimento à população. Caso fosse aprovado, os únicos beneficiados seriam os bancos, que visam aumento do lucro à custa de mais adoecimento dos trabalhadores, que seriam obrigados a cumprir metas também aos finais de semana”, ressalta.
Diante disso, dirigentes sindicais conversaram diversas vezes com o autor do projeto a fim de explicar os motivos pelos quais os trabalhadores e seus representantes são contra o texto. Foram apresentados dados que comprovam os prejuízos à saúde dos bancários causados pela sobrecarga de trabalho e o assédio moral para a cobrança abusivas de metas. “Somos uma das categorias de trabalhadores que mais adoecem no Brasil”, lembra a presidenta do Sindicato, Neiva Ribeiro. “A abertura dos bancos nos finais de semana e feriados pioraria ainda mais este cenário.”
Assim, após a insistência do movimento sindical, das audiências públicas e demais estratégias para apresentar a inviabilidade do PL, David Soares apresentou requerimento, no último dia 4 de novembro, solicitando a retirada de tramitação do PL na Câmara dos Deputados.
E não há intenção do deputado de reapresentar o projeto, nem algo semelhante, segundo foi informado ao secretário de Relações do Trabalho e responsável da Contraf-CUT pelo acompanhamento da tramitação de pautas de interesse dos trabalhadores no Congresso Nacional o dirigente Jeferson Meira, o Jefão. No entanto, os bancários devem continuar ligados e mobilizados ao lado dos seus sindicatos.
“Já houve muitas idas e vindas sobre essa proposta, por isso, devemos estar atentos à movimentação no Congresso”, alerta, lembrando que outros deputados trabalham pela abertura dos bancos aos finais de semana. “Quem faz lobby para que isso aconteça não vai deixar de ter esse desejo de uma hora para a outra.”
Luta pelo 4×3
A luta, agora, é pela jornada de quatro dias por semana, uma reivindicação permanente dos trabalhadores de bancos. Pela proposta, os bancos seguirão atendendo a população de segunda a sexta. Mas com uma escala que permita o trabalho apenas em quatro dias na semana. E sem redução dos salários.
Pesquisas indicam que a semana de quatro dias aumenta a produtividade dos trabalhadores e a lucratividade das empresas que adotaram essa escala de trabalho.
Com mais tempo de descanso, aumenta a disposição dos trabalhadores e diminuem os casos de adoecimento. Além disso, uma escala de trabalho menor estimula a economia, a geração de empregos e promove a distribuição dos ganhos que o avanço da tecnologia proporciona.
Isso já foi comprovado por 61 empresas de vários setores do Reino Unido, por exemplo. Elas fizeram parte de um programa piloto, realizado em 2023, que reduziu a semana de trabalho de seus funcionários para quatro dias. Esse foi o maior estudo do mundo sobre a redução da jornada semanal de trabalho. A maioria das companhias aprovou o programa e concluiu que a produtividade foi mantida. Além disso, os funcionários reportaram ter mais bem-estar e equilíbrio entre vida profissional e pessoal. E menos intenção de deixar seus empregos diante da política de quatro dias semanais de trabalho.
Na Islândia também. A nação com o segundo maior crescimento do continente europeu em 2023, tem mais da metade de seus trabalhadores em semanas com quatro dias de trabalho desde 2022.
Na Alemanha, 45 empresas participam este ano do mesmo projeto piloto. Em entrevista ao Deutsche Welle, a líder científica do projeto, Julia Backmann, apontou que os funcionários geralmente se sentiam melhor com menos horas e permaneciam tão produtivos quanto eram com uma semana de cinco dias. Em alguns casos, a produtividade era ainda maior.
Não ao 6×1
A redução da jornada sem redução do salário é reivindicação antiga do movimento sindical. E ganhou nova força com o debate do fim da jornada 6×1. Nesse modelo absurdo, que atinge muitos empregados principalmente da área do comércio, o trabalhador trabalha seis dias na semana e folga apenas um dia. Para contrapor essa lógica cruel, a deputada federal Erika Hilton (PSOL) apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para limitar a jornada de trabalho em 36 horas semanais, exercida pelo empregado durante quatro dias na semana.
Com o intenso apoio popular, na manhã de 13 de novembro, o sistema interno da Câmara dos Deputados apontou que a PEC atingiu 194 assinaturas de parlamentares. Ou seja, a proposta contra 23 apoios a mais que o mínimo de 171 assinaturas para que seja protocolada e tramite na Casa.
A maior parte das assinaturas são de parlamentares dos partidos de esquerda como PT e Psol. Outros partidos progressistas, de centro e até mesmo integrantes de legendas de direita acabaram assinando também a PEC.
“O Sindicato é totalmente solidário à causa do fim da escala 6×1, que massacra milhões de trabalhadores, privando-os de descanso adequado, do convívio familiar e social, e da oportunidade de qualificação profissional”, ressalta Neiva Ribeiro. “Por meio da luta e organização dos bancários, junto aos seus sindicatos e demais entidades representativas, nossa categoria mantém a jornada de trabalho diferenciada e com dois dias de descanso. Mas essa conquista foi duramente atacada durante os governos Temer e Bolsonaro. Resistimos graças à nossa força, unidade e organização”